quinta-feira, 14 de maio de 2009

EU TENHO DÚVIDAS

Eu tenho dúvidas! Sim, eu tenho dúvidas.” Enquanto madame Beauvier chorava, num desespero que me parecia irremediável, eu, consentido, respondia a mim mesmo: Eu também tenho dúvidas. A ilusão de Madame Beauvier tomou conta de mim. Era eu agora quem tinha dúvidas. Saía do cinema como se não soubesse para onde ir. Eu não conseguia ir para casa. Tinha que correr atrás de resolver, de alguma forma, a falta de certeza que já me consumia. Vou me encontrar com ela de novo. Mas era só um personagem. Tinha, até aquele momento, certeza de que não existia. Fui invadido pela arte?
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Após algumas voltas no mesmo quarteirão, volto para o cinema. “Preciso de outra sessão, pelo amor de Deus”! Vou investigá-la. Assistirei da poltrona do crítico. Quero ter certeza de que esta dúvida não irá transpor o filme novamente. Voltarei para a realidade deixando a dúvida com quem ela deve ficar.
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Lá está Madame Beauvier chorando novamente. “Eu tenho dúvidas!”.
Eu também tenho dúvidas! A dúvida volta ainda mais forte, porque, agora, eu tenho mais detalhes da falta de informação: a dúvida em sua plena certeza de existir!
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Então volto para casa e no caminho faço o que nunca faço: ligo o rádio. Vou deitar o mais rápido que posso, querendo acabar logo com esta angústia idiota. Como quem ansioso deita na cama e divaga horas e esquece de dormir, por ser aquele momento um dos poucos de contato íntimo, eu não conseguia dormir. Mas com uma diferença: divagava na dúvida, em não ter o que divagar.
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A ilusão quando contamina a realidade parece que não pode ser mais tratada como ilusão. No meu caso ela era realidade latente, despertada pelo viés da arte. Eu havia entrado num mundo que era meu. Da mesma forma quando interpretamos sonhos na terapia, eu havia me deparado com minhas dúvidas no filme. A angústia de viver e seguir vivendo sem certezas...
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Kafka fazia muito mais sentido agora...
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É bom quando os dias vão passando e novas preocupações vão assumindo o lugar das velhas. Temos a sensação de que as coisas estão seguindo o seu caminho certo. Mesmo quando não conseguimos resolver os nossos problemas, mas damos um jeito de esquecê-los. Isso não está acontecendo comigo. Estou a cada dia com mais dúvidas.
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Meu olhar está se tornando dúvida!
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Mas minha dúvida não tinha forma. Não havia até o momento transbordado de mim. Ela me consumia e se comportava como uma virose fantasma. Angustiosa, porém indetectável para a medicina humana.
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“Está na hora de concluir e fechar o Capítulo II. Não se esqueçam: seu objetivo é o de apresentar uma reflexão sobre as finalidades do ensino de Português.”
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“O ensino de português...”
“O aprendizado de uma língua materna...”
“A língua e o poder...”
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O verbo se fez carne!!!!
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Tomei contato com minha grande angústia. O que eu sabia não me ajudava. Não tenho a coragem de escrever. O que eu sei não é o bastante. Me sinto esfacelado.
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Hoje é o dia em que eu escrevo com dúvida. Escrevo com medo de não ser aprovado. De pensar coisas que não se aplicam. Hoje eu olho para mim e vejo que não tenho experiência de afirmar muito sobre a educação. O que eu penso importa, mas não me basta.
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Hoje eu devo dizer sobre a finalidade do ensino de língua portuguesa. Mas não posso. Não sei. Hoje eu deveria criticar a gramática tradicional, exaltar a literatura, amar a língua, relacioná-la com o poder, ver na língua a expressão do sujeito. Mas não irei.